sábado, 2 de maio de 2009

Peça da Nobel Elfriede Jelinek faz furor ao comentar crise financeira




Sebastian Rudolph e 
Patrycia Ziolkowska em Colônia 


A peça "Contratos do comerciante" é um comentário sobre a crise financeira, sua autora é prêmio Nobel, e a montagem em Colônia já consta como um das grandes da temporada. Uma experiência pessoal de Cornelia Rabitz.

 


Na realidade, foi inspirada num escândalo bancário na Áustria que Elfriede Jelinek escreveu sua peça Kontrakte des Kaufmanns (Contratos do comerciante) – uma prestação de contas com instituições fraudulentas e pequenos investidores crédulos.


Porém o teatro da cidade de Colônia queria, de qualquer jeito, encenar a peça. E, ainda durante os ensaios, a dramaturga e prêmio Nobel de Literatura foi entregando novas passagens. Difícil uma peça que seja mais atual. E que faça mais furor.



Contagem regressiva


Pouco a pouco, o texto da
peça cobre o palco


Logo de início, o diretor Nicolas Stemann nos esclarece que esta já é a terceira estreia: cada noite é diferente da anterior. O elenco lê o texto à primeira vista, explica, a montagem emprega uma "máquina de execução textual". A coisa soa trabalhosa.


Um mostrador digital no lado superior esquerdo do palco exibe o número 99. Quer dizer: 100 páginas de texto menos uma. Trata-se de uma contagem regressiva. Nas próximas horas, folhas de manuscrito vão voar pelo chão, ao fim elas cobrirão todo o palco. Quando o placar chegar a zero, teremos conseguido.


Não estão previstas pausas, em compensação pode-se sair para o foyer a qualquer momento, pela porta aberta. Meus vizinhos estão bem humorados – como eu. "Eu sei que vou ter que ficar sentada três horas e meia, mas acho que dá", diz a senhora. "Estou aberto para surpresas", diz seu acompanhante.



"Seu capital vive bem"


A cena está abarrotada de adereços: mobiliário, aparelhagem técnica, um cabideiro, microfones, instalações de vídeo. Um "Coro dos pequenos investidores" entra em cena, um "Coro dos anciãos" entoa: "Ai, ai, ai!".


As primeiras páginas passam rápido, logo o mostrador está em 90. Primeiro aplauso na página 86. Gosto do texto de Jelinek, sempre tive um fraco por seu sarcasmo, seu veneno, suas formulações buriladas.


Página 76: no palco, os atores usam máscaras de lobo. Vozes sedutoras nos asseguram: "Seu capital vive bem, numa pequena ilha, lá ele não está sozinho. Seu dinheiro está conosco, você pode visitá-lo a qualquer hora". Como uma cascata, o texto de Jelinek jorra sobre a plateia. Eu preciso urgentemente de movimento.


A cor do dinheiro



Êxodo gradual


Página 58: algumas fileiras se esvaziam, as pessoas saem da sala. Talvez porque na cena alguém acabou de dizer: "O dinheiro tem fome"!? Os primeiros espectadores retornam, trazendo cerveja.


Página 51: êxodo em massa. Eu saio junto. O foyer da pausa está cheio de gente procurando descanso. Hora de um balanço parcial.


A primeira espectadora a que me dirijo é funcionária bancária, pertencendo, portanto, ao grupo dos atingidos. Três horas e meia de insulto aos bancos? Para ela, chega, não vai esperar o fim da peça.


Entre os demais, opiniões contrastantes. Alguns estão irritados com as muitas repetições textuais, outros acham boa a diversão. Outros têm até um pouco de vergonha. "Eu me senti como uma ovelha", comenta uma espectadora.



Vigas e balões


De volta à sala de espetáculos, dou-me conta de que perdi 15 páginas! Então, primeiro orientar-me. Ah! Agora eles usam máscaras de papelão, modelo Obama, modelo Ackermann. Acompanhados por sons de zumbidos e danças de dervixes. A costura da calça de um esperto banqueiro teatral arrebentou no tumulto.


Página 32: atentado máximo contra os tímpanos. Gigantescas vigas de ferro se chocam no palco. E aí – alívio – lindos balões de gás pairam silenciosos no ar. Mas, ah, o tranquilo voo não dura muito. Com um alto estrondo, logo o primeiro balão já exala a alma.



A peruca de Elfriede



Elfriede Jelinek


Página 19: minha atenção se dispersa um pouco. Não vá esmorecer agora! Meus vizinhos tampouco dão sinais de fraqueza.


Página 2: exaustão. Mas também a certeza de haver participado de uma noite de teatro fora do comum. "Desça do seu cavalo de arrogância!", nos conclama a autora. Não, para isso eu realmente não estou mais em condições.


Mas, como todos os outros, eu me levanto de um salto e aplaudo – foi realmente fantástico! Mas o diretor Stemann exibe uma peruca feminina, com topete e marias-chiquinhas... então... se essa não é... mas claro! Elfriede Jelinek! Quer dizer que ela está mesmo conosco, pelo menos simbolicamente.


Autor: Cornelia Rabitz
Revisão: Rodrigo Abdelmalack