Adital - 21.01.10 - MUNDO
Esther Vivas *
Tradução: ADITAL
Atualmente, a crescente mercantilização da agricultura é uma realidade inegável. A privatização dos recursos naturais, as políticas de ajuste estrutural, os processos de "descamponização" e de industrialização dos modelos produtivos e dos mecanismos de transformação e distribuição de alimentos nos conduziram à atual situação de crise alimentar.
Nesse contexto, quem decide o que comemos? A resposta é clara: um punhado de multinacionais da indústria agroalimentar, com o beneplácito de governos e de instituições internacionais, acabam impondo seus interesses privados acima das necessidades coletivas. Diante dessa situação, nossa segurança alimentar está gravemente ameaçada.
A suposta "preocupação" por parte de governos e instituições, como o G-8, G-20, Organização Mundial do Comércio (OMC) etc. frente ao aumento do preço dos alimentos básicos e de seu impacto nas populações mais desfavorecidas demonstradas no transcurso do ano de 2008 em cúpulas internacionais, só denotaram sua profunda hipocrisia. O atual modelo agrícola e alimentar gera-lhes grandes benefícios econômicos, sendo utilizado como instrumento imperialista de controle político, econômico e social em relação aos países do Sul global.
Como o movimento internacional Via Campesina assinalava, no final da última reunião da FAO, em Roma, a medianos de novembro: "A ausência dos chefes de Estado dos países do G-8 foi uma das principais causas do fracasso total dessa cúpula. Não foram tomadas medidas concretas para erradicar a fome, deter a especulação sobre os alimentos ou frear a expansão dos agrocombustíveis". Da mesma forma, apostas como o Paternariado Global para a Agricultura e Segurança Alimentar e o Fundo Fiduciário para a Segurança Alimentar do Banco Mundial, que contam com o apoio explícito do G-8 e do G-20, apontam nessa direção, deixando nossa alimentação, mais uma vez, em mãos do mercado.
De toda forma, a reforma do Comitê de Segurança Alimentar (CSA) da FAO é, segundo a Via Campesina, um passo adiante na direção de "democratizar" as decisões em torno à agricultura e à alimentação: "pelo menos esse espaço respeita a regra básica da democracia; isto é, o princípio de ‘um país, um voto’, e outorga um novo espaço à sociedade civil". Porém, ainda estamos por ver a capacidade de incidência real do CSA.
Monopólios
A cadeia agroalimentar está submetida, em todo seu percurso, a uma alta concentração empresarial. Se começamos pelo primeiro trecho, as sementes, observamos como dez das maiores companhias (Monsanto, Dupont, Syngenta, Bayer...) controlam, segundo dados do grupo ETC, a metade de suas vendas. As leis de propriedade intelectual, que dão às companhias direitos exclusivos sobre as sementes, estimularam ainda mais a concentração empresarial do setor e desgastaram na base o direito camponês à manutenção das sementes nativas e da biodiversidade.
A indústria das sementes está intimamente ligada a dos pesticidas. As maiores companhias de sementes dominam também esse outro setor e, frequentemente, o desenvolvimento e a comercialização desses produtos são realizados juntos. Porém, na indústria dos pesticidas, o monopólio é maior e as dez maiores empresas controlam 84% do mercado global. Essa mesma dinâmica se observa no setor da distribuição de alimentos e no de processamento de bebida e comida. Trata-se de uma estratégia que está em crescimento.
A grande distribuição, da mesma forma que outros setores, conta com uma alta concentração empresarial. Na Europa, entre 1987 e 2005, a quota de mercado das dez maiores multinacionais da distribuição significava 45% do total e se prognosticava que poderia alcançar os 75% nos próximos 10-15 anos. Em países como a Suécia, três cadeias de supermercados controlam AL redor de 95,1% da quota de mercado; e em países como a Dinamarca, a Bélgica, a Espanha, a França, a Holanda, a Grã Bretanha e a Argentina, umas poucas empresas dominam entre 60% e 45% do total. As megafusões são a dinâmica habitual. Esse monopólio e concentração permitem um forte controle na hora de determinar o que consumimos, a que preço, de quem procede, como foi elaborado.
Negociar com a fome
Em plena crise alimentar, as principais multinacionais da indústria agroalimentar anunciavam cifras recorde de lucros. Monsanto e Dupont, as principais companhias de sementes, declaravam um crescimento de seus lucros de 44% e de 19%, respectivamente, em 2007, em relação ao ano anterior. Na mesma direção apontavam os dados das empresas de fertilizantes: Potash Corp, Yara e Sinochem, que viram subir seus lucros em 72%, 44% e 95%, respectivamente, entre 2007 e 2006. As processadoras de alimentos, como a Nestlé, assinalavam também um aumento de seus lucros; bem como supermercados (Tesco, Carrefour e Wal-Mart). Enquanto milhões de pessoas no mundo não tinham acesso aos alimentos.
[Autora de "Del campo al plato" (Icaria editorial, 2009)].
* Militante de Izquierda Anticapitalista. Miembro de la Red de Consumo Solidario y de la Campaña ‘No te comas el mundo’.Miembro de Revolta Global-Esquerra Anticapitalista y del Centro de Estudios sobre Movimientos Sociales (CEMS) de la UPF.
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